Título da Seleção em 1919 representa resposta ao preconceito de rivais

Título da Seleção em 1919 representa resposta ao preconceito de rivais

Ofensas de argentinos e uruguaios ajudou a diminuir preconceito entre os próprios brasileiros e despertou forte interesse pela Seleção nacional

O futebol há cem anos era para poucos. Apenas ricos e brancos tinham "permissão" para praticar o esporte mais popular do mundo no Brasil. Em 1919, trinta anos depois da assinatura da Lei Áurea, o negro ainda sofria preconceito. As delegações de Argentina, Chile e Uruguai ficaram hospedadas em um hotel na região central do Rio de Janeiro para a disputa do Sul-Americano. Entre uma atividade ou outra, os atletas ficavam na porta do alojamento e zombavam das pessoas que circulavam pela rua. Este é só mais um dos fatos que acirrou a rivalidade entre os povos, mas também serviu para criar uma união interna.

Delegação da Argentina no Sul-Americano de 1919: vizinhos zombavam de pessoas nas ruas pela simplicidade do povo brasileiro e discriminavam os negros Delegação da Argentina no Sul-Americano de 1919: vizinhos zombavam de pessoas nas ruas pela simplicidade do povo brasileiro e discriminavam os negros
Créditos: Reprodução

Os estrangeiros não debochavam apenas dos negros, mas de todos os brasileiros. O país era menos desenvolvido e as pessoas usavam roupas simples, classificadas como trapos pelos uruguaios e argentinos. Como também passaram a ser alvo de piadas, os ricos despertaram o desejo pela vitória. Quando viram que seria imprescindível o apoio dos negros e pobres, passaram por cima disso e iniciaram uma aproximação aos que sempre descriminaram.

"A gente tem que colocar o futebol no contexto histórico. Era a República Velha, elitista, com ranço escravista, dominada por oligarquias. O futebol era um bem dessas elites. Era praticado pelos filhos da burguesia. Disputavam os campeonatos pelos clubes de elite do Rio de Janeiro e de São Paulo. Era um futebol embranquecido. O Sul-Americano começou a quebrar isso. Criou uma unidade nacional, pois começaram a torcer pelo Brasil , além dos ricos, os pobres. Essa mistura ficou clara com a presença do Friedenreich, que simboliza esse encontro do negro com o branco. E da mistura surge esse novo futebol", destaca o jornalista e pesquisador Roberto Sander, autor do livro "Sul-Americano de 1919".

Assim como Neco, Friedenreich não era branco. El Tigre era moreno e tinha os olhos verdes. As participações dele e do companheiro na Seleção Brasileira causavam estranheza e não eram vistas com bons olhos pela aristocracia. As ofensas dos vizinhos sul-americanos, porém, trouxeram um sentimento forte pela necessidade de vitória, que era encarada como forma de resposta para eles. Por isso, como o altíssimo ganho técnico que ambos representavam, a questão racial foi deixada de lado.

"Os estrangeiros nos descriminavam e zombavam do povo. Mas também havia o preconceito entre nós mesmos, algo que, infelizmente, ainda existe no Brasil. Na época, evitavam a escalação de jogadores negros justamente para que os argentinos e uruguaios não zombassem da Seleção Brasileira. Mas o Friedenreich, por conta do futebol, já que era o Pelé da Era Amadora, tornou-se uma figura absoluta. Não foi molestado em tempo algum pelo fato de ter sido um grande jogador" lembra o jornalista e pesquisador Roberto Assaf, um dos autores do livro "Seleção Brasileira (1914 - 2006)".

Durante a competição, como estavam em casa, em maioria, os brasileiros não deixaram barato e passaram a responder as provocações. Em alguns jogos nas Laranjeiras, inclusive, a Polícia do Rio de Janeiro compareceu para fazer a segurança e seus oficiais foram posicionados no espaço entre a arquibancada e o gramado (foto abaixo). Este é o primeiro relato da história do futebol nacional com policiamento no estádio.

Primeiro relato de policiamento em estádios no Brasil é no Sul-Americano de 1919 Primeiro relato de policiamento em estádios no Brasil é no Sul-Americano de 1919
Créditos: Arquivo Nacional

Ao fim do Sul-Americano 1919, o Brasil ficou com a taça, representando a sua primeira grande conquista, e Friedenreich, artilheiro e autor do gol do título, teve o par de chuteiras exposto em uma tradicional joalheria do centro do Rio de Janeiro. Se o gesto é impactante para a época, cem anos depois fazemos questão de lembrá-lo para reafirmar que todos devem ter o mesmo espaço na sociedade.

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