Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF Rodrigo Cintra orienta árbitros do quadro roraimense
Marcelo Vila Real / CBF“Nunca nem coloquei um apito na boca”, foi a frase que a então assistente Morgana Rocha disse ao instrutor Fabrício Vilarinho minutos antes de ser transferida da lateral do campo para o centro do gramado. Ela apitaria parte da partida Sub-20 entre Náutico e River, na sexta-feira (25). O jogo foi no estádio Canarinho, em Roraima, segundo Estado onde a CBF levou o projeto “Arbitragem Sem Fronteiras”, com o inédito Seminário Regional realizado entre quinta-feira (24) e sábado (26).
“Mas esse é um sonho que eu tenho”, confessou ela, que pegou emprestado um apito do árbitro Yuri Paiva, do quadro da Federação Roraimense de Futebol (FRF), e a quem ela atribui todo seu conhecimento sobre as regras do futebol. Essa transição de funções aconteceu por sugestão do presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Rodrigo Cintra, que bateu os olhos em Morgana e percebeu que a jovem de 21 anos tem os pré-requisitos para comandar um jogo de futebol.
Assistente há quatro anos, Morgana Rocha atuou como árbitra central durante treinamento do SeminárioCréditos: Marcelo Vila Real / CBF
Cintra explica que na essência do Seminário Regional está a busca pela renovação do quadro de arbitragem nacional e inclusão de novos integrantes na Seleção Nacional de Árbitro de Futebol (Senaf). A estratégia se mostrou eficaz após a primeira edição, realizada em Manaus-AM: ao término do evento, a Comissão de Arbitragem da CBF designou para a uma partida de Série A (o clássico entre Fortaleza e Ceará) uma assistente e um quarto árbitro, dois assistentes para uma partida de Série B (Botafogo-SP x Volta Redonda), um trio completo para um jogo da Série C (Retrô x CSA) e um árbitro central para a Série D (Porto Velho x Goiânia).
Para repetir o desempenho em Boa Vista, a equipe que conduz os treinamentos nos três dias de Seminário tem o olhar clínico e treinado, como um scout de futebol que busca talentos desde as categorias de base. A aptidão de Morgana, por exemplo, foi percebida assim que os instrutores adentraram o auditório da FRF para uma palestra de abertura do evento que durou uma hora. “Mentaliza o que você acredita”, incentivou Vilarinho antes da entrada de Morgana em campo.
Além de Vilarinho e Cintra, compõe o time Claudio José Soares, coordenador pedagógico do Centro de Excelência da Arbitragem Brasileira (CEAB) e um dos profissionais do ramo com maior número de cursos nacionais e internacionais. A vinda do trio até Roraima marca a primeira vez que a Comissão de Arbitragem da CBF desembarcou no Estado para uma programação que não fosse apenas uma visita protocolar, mas uma aproximação e reconhecimento de talentos locais. Não à toa o Seminário contou com a participação de 70 árbitros e assistentes do quadro local, além de integrantes de federações da região, como Amazonas e Rondônia, ávidos por um lugar ao sol na arbitragem brasileira.
Quadro da Federação Roraimense de Futebol aderiu em número expressivo ao SeminárioCréditos: Marcelo Vila Real / CBF
E parecia haver um sol para cada cabeça em Boa Vista na manhã de sexta-feira, que marcou o início dos trabalhos práticos do Seminário – e a estreia de Morgana com o apito. Na dinâmica montada pelo trio de instrutores, após atividades físicas sem bola, os participantes seriam divididos em sextetos: cada árbitro e assistente experiente teria como “sombra” um respectivo árbitro e assistente iniciante, cuja missão era acompanhar os responsáveis pela condução da partida observando seus posicionamentos e marcações de jogo. A cada 15 minutos, a ordem era invertida, com outro sexteto entrando em campo, mas desta vez com os iniciantes sendo assistidos pelos experientes.
A árbitra de primeira viagem pareceu ter gostado da nova função. “Eu gosto de mandar e gosto de futebol, então juntei um mais um e deu dois”, disse ela, que superou as dores no joelho para correr em campo durante a atividade – ela lesionou o menisco há seis meses, período em que foi reprovada em um teste físico por causa das dores, o que confessa tê-la deixado desmotivada. Mas os quinze minutos em campo resgataram sua autoconfiança. “Eu mentalizei que essa dor não existia para agarrar essa oportunidade. Esse curso é a chave que eu precisava para abrir novas portas”, disse.
Após os quinze minutos de jogo, o sexteto que deixava o campo passava pelo protocolo de instant feedback, adotado pela Comissão de Arbitragem também nas concentrações periódicas promovidas para os árbitros que já integram o quadro nacional e tem frequência regular nos campeonatos nacionais de todas as divisões – o próximo terá início na segunda-feira (28) no Rio de Janeiro.
Fabrício Vilarinho, Cláudio José Soares e Rodrigo Cintra (ao centro): trio de instrutores orienta participantes no intervalo da atividadeCréditos: Marcelo Vila Real / CBF
Neste protocolo, eles recebem devolutivas dos instrutores sobre parâmetros que podem melhorar: posicionamento, postura em campo, leitura dinâmica do jogo, forma física, conhecimento de regra e um aspecto que a Comissão tem investido muito: o encorajamento dos árbitros na tomada de decisões. “Esse protocolo gera uma melhora instantânea, de um dia para o outro. Quando voltarmos para a atividade no dia seguinte já veremos mais mecânica de arbitragem e ajustes. Eles já saem desses três dias sabendo de alguns vícios que tinham, ou aprendendo algo que não sabiam. A evolução é iminente”, explicou Cintra.
Entre os participantes, há também árbitros que já acumularam minutos e quilometragem em campos Brasil afora. Bastaram alguns minutos com Daniel Alejandro conduzindo a partida para que Claudio o reconhecesse. “Estive com ele em vários cursos pelo Brasil. Esse está pronto”, disse. Uma das dificuldades para os árbitros da região são empecilhos logísticos: os voos entre a capital roraimense e os principais destinos do futebol brasileiro costumam ter uma ou mais escalas e valores altos.
Alejandro, por exemplo, foi designado para apitar a partida entre Tombense e Maringá, marcada para segunda (28), em Tombos, pela Série C do Brasileirão. Para chegar lá, ele pegará um ônibus no sábado de Boa Vista para Manaus, onde pegará um voo para o Rio de Janeiro, com escala em Brasília. Ao chegar na capital fluminense, terá mais um ônibus até Tombos, local da partida. Mesmo com os custos cobertos pela CBF e pelos clubes mandantes, o tempo para chegar ao local das partidas segue sendo um investimento individual.
O árbitro Daniel Alejandro (à direita), acompanhado do árbitro assistente: ele planeja utilizar os conhecimentos do curso na próxima partida que apitará pela Série CCréditos: Marcelo Vila Real / CBF
Nada que assuste Alejandro. “Eu peço para o Yungo (Paiva, presidente da Comissão de Arbitragem da FRF) me escalar sempre”, revelou. As jornadas interestaduais não desanimam o árbitro. Venezuelano de origem, ele chegou ao Brasil com 20 anos, já com certa experiência na arbitragem. Hoje, aos 29, para se manter na função de árbitro, ele se divide em várias outras: é responsável pela logística de entrega de medicamentos no interior, jardineiro, motorista de Uber – tudo para bancar o sonho.
A oportunidade de participar do Seminário será aproveitada já no próximo compromisso oficial. “O Cláudio me disse que fui firme e forte, mas que deveria ter chegado dentro da área quando o jogador escorregou”, disse ele, que já pretende utilizar este conhecimento na próxima partida. “O jogo mais importante da minha carreira vai ser o próximo. Por que? Porque sempre o próximo abre as portas para o seguinte. E assim quero chegar até a FIFA”, concluiu.
Yungo Paiva (à esquerda), presidente da Comissão de Arbitragem da FRF, compartilha conhecimento sobre os árbitros locais com os instrutores do cursoCréditos: Marcelo Vila Real / CBF